Vaticano(O Destaque)-Robert Francis Prevost, agora Papa Leão XIV, surge como uma figura paradoxal no Vaticano. Eleito como o primeiro pontífice norte-americano da história, herda uma Igreja Católica profundamente marcada pelo legado reformista de Francisco, mas carrega consigo posições conservadoras que já geram tensão, especialmente junto à comunidade LGBTQIA+.
Em 2012, num discurso a bispos, Prevost lamentou que a média e a cultura popular promovessem “simpatia por crenças e práticas que estão em desacordo com o Evangelho”, citando explicitamente o “estilo de vida homossexual” e “famílias alternativas compostas por parceiros do mesmo sexo e seus filhos adotivos“.
Essa postura contrasta radicalmente com a abordagem de Francisco, que em 2013 declarou “Quem sou eu para julgar?” sobre clérigos gays. Enquanto Francisco abriu espaço para bênçãos a casais do mesmo sexo (ainda que com restrições), Prevost, como bispo no Peru, opôs-se veementemente a políticas de educação sexual nas escolas, afirmando que “a promoção da ideologia de género é confusa, porque busca criar géneros que não existem“.
Um Papa Global: Dos EUA ao Peru, a Jornada de um Missionário
Nascido em Chicago em 1955, Prevost passou décadas no Peru como missionário agostiniano, tornando-se bispo em Chiclayo e ganhando até nacionalidade peruana. Essa experiência multicultural pode explicar a sua abordagem pragmática: enquanto critica a “ideologia de género” no Ocidente, reconhece que políticas inclusivas seriam impraticáveis em regiões como África, onde a homossexualidade é criminalizada.
Sua nomeação para o Dicastério para os Bispos em 2023, sob Francisco, mostra que, apesar das diferenças, havia ali uma relação de confiança. Prevost até incluiu mulheres no processo de seleção de bispos, um avanço significativo.
A escolha do nome papal não é aleatória. Leão XIII (1878-1903) foi um reformador social, autor da encíclica Rerum Novarum, que defendia direitos trabalhistas. Já São Leão Magno (século V) ficou conhecido por negociar com Átila, o Huno, evitando a invasão de Roma.
Prevost parece querer associar-se a essa dualidade: um líder firme na doutrina, mas com habilidade diplomática. No seu primeiro discurso, citou Santo Agostinho “Para vocês sou bispo, mas com vocês, sou cristão“e enfatizou a necessidade de “construir pontes“, tal como Francisco.
Prevost não escapa às polémicas. No Peru, foi acusado de má gestão em casos de abuso sexual por padres, embora a diocese alegue que seguiu os protocolos. Em Chicago, críticos afirmam que não alertou uma escola sobre a presença de um padre acusado de abusos num mosteiro próximo.
Num mundo polarizado, o novo papa terá de equilibrar reformas e tradição, além de lidar com crises como a guerra na Ucrânia e o crescimento do populismo.
“O mundo precisa de pontes“, disse no seu primeiro discurso. Resta saber quem estará disposto a cruzá-las.
