Maputo (O destaque)-A nomeação de Ricardo Xavier Sengo como ministro na Presidência para Assuntos da Casa Civil, em Janeiro do presente ano, foi inicialmente vista, em vários círculos de opinião, como um reforço tecnocrático no novo Governo. Porém, as ligações que o dirigente e empresário mantém com homens de negócios da China deram azo à retoma de debates sobre o crescente alcance do capital chinês na política e nos sectores nevrálgicos da economia moçambicana, com destaque para o sector extractivo.
Do banco ao negócio da rastreabilidade de cargas
Nascido em 1969 em Massinga, província de Inhambane, Sengo construiu a sua reputação no sector bancário e financeiro antes de se tornar co-fundador da Mozambique Electronic Cargo Tracking Services (MECTS), S.A., a empresa a quem o Estado adjudicou os serviços de monitoria de mercadorias em trânsito através de sistemas electrónicos de selagem e rastreamento.
Ora, segundo fontes ligadas ao sector, a espinha dorsal tecnológica da MECTS veio da Nuctech, uma empresa estatal chinesa especializada em sistemas de segurança e inspecção de cargas. Na prática, elucidam as fontes, isto significou que um dos sectores mais estratégicos do comércio e fiscalização aduaneira moçambicano passou a depender de tecnologia e know-how chineses — com Sengo no centro do processo.
Negócios com Hui Jun Yang
Entretanto, as ligações do governante às elites empresariais chinesas vão além da logística. Em conjunto com Hui Jun Yang, um empresário chinês residente na “Pérola do Índico”, fundou a Stratum, Sociedade Mineira I, Lda., em Novembro de 2023. A empresa, sediada em Maputo, tem como objecto social a exploração e o comércio de minerais preciosos e semipreciosos.
Em vários círculos, esta parceria tem sido interpretada como uma espécie de “casamento de conveniência”, em que Sengo oferece acesso político local, enquanto Yang garante o investimento estrangeiro, um modelo que se repete em várias áreas.
Shen e as controvérsias na mineração
Investigações de órgãos como Carta de Moçambique e Diário Económico também associam Sengo a investidores chineses no sector mineiro. O empresário Yudi Shen, juntamente com colegas chineses, terá injectado capital em empresas como a Clay & Gravel Mining, Lda., com operações nas províncias de Manica e Sofala.
Trata-se de uma empresa que já foi acusada de evasão fiscal e exploração ilegal, com o Centro de Integridade Pública (CIP) a estimar perdas superiores a 25 milhões de meticais em 2024, devido a actividades não declaradas ou subavaliadas. Embora o papel directo de Ricardo Sengo não seja muito claro, a alegada presença de familiares e associados seus nestas sociedades é vista como reveladora de fortes ligações entre elites políticas moçambicanas e investidores chineses.
China Super Billion e ligações familiares
As parcerias da família Sengo com cidadãos chineses vão ainda mais longe. Segundo fontes, a empresa China Super Billion, Lda., co-fundada por Miguel dos Santos Daniel Manuel Sengo (membro da família Sengo) e pelo empresário chinês Jie Chen, ganhou concursos públicos avaliados em milhões de meticais — incluindo um contrato de mais de 34 milhões em 2021 e outro de 22 milhões em 2023.
Jie Chen voltou a surgir em 2023 como co-fundador da MYJ Tabacos Importação e Exportação, Lda., novamente ao lado de parceiros chineses, levantando dúvidas sobre a escala e a coordenação destes investimentos.
A sombra de Jiye Zhuo
Talvez o episódio mais alarmante seja o recente relato de que Jiye Zhuo, um investidor chinês acusado de branqueamento de capitais, financiamento ao terrorismo e crimes ambientais, entrou ilegalmente em Moçambique no mês em curso, tendo supostamente mantido encontros privados em Maputo — incluindo com o ministro Ricardo Sengo.
É que Zhuo esteve, num passado não muito distante, associado a exportações ilegais de madeira e à criação de várias empresas fictícias. Muitas foram encerradas pelas autoridades, e o empresário encontra-se foragido por múltiplos crimes. Confirmando-se a alegada reunião com Sengo entre 10 e 15 de Agosto, seria mais uma evidência do nível extraordinário de influência que actores chineses conseguiram alcançar no coração do Governo moçambicano, defendem analistas.
Mudança estratégica de poder
Para analistas, o que está em causa não se trata apenas de negócios. O que se desenha é a arquitectura de uma influência chinesa institucionalizada dentro do aparelho de Estado moçambicano.
Através de parcerias tecnológicas (MECTS–Nuctech), empreendimentos mineiros (Stratum, Clay & Gravel), contratos públicos (China Super Billion) e até contactos com figuras controversas como Jiye Zhuo, os investidores ligados a Pequim encontraram em Sengo um aliado poderoso e estratégico.
“A ascensão de Ricardo Sengo não é apenas a história de um empresário que virou ministro. É a história de como o dinheiro, a tecnologia e as redes políticas da China estão a moldar o próprio Governo de Moçambique”, resumiu um observador local.
