Maputo (O Destaque) –Moçambique enfrenta desafios significativos no processo de electrificação das zonas rurais. A ambição governamental de alcançar o acesso universal à energia até 2030 esbarra em obstáculos diversos, que vão desde dificuldades logísticas e instabilidade sociopolítica até prejuízos financeiros bilionários causados por actos de vandalismo, roubo de energia e fenómenos naturais.
A Electricidade de Moçambique (EDM) e o Fundo de Energia de Moçambique (FUNAE), alinhados no programa ProEnergia, têm unido esforços para levar energia até às zonas mais remotas do país.
Segundo o Banco Mundial (Relatório de 2021), o acesso à electricidade nas zonas rurais era estimado em apenas 8%, em forte contraste com os 72% nas zonas urbanas. Apesar da dimensão do problema, a EDM tem registado progressos: a taxa de acesso à electricidade, que era de 60,1% até Dezembro de 2024, subiu para 64,4% em 2025, superando em 0,4% a meta nacional estabelecida para o ano.
Nos últimos anos, foram electrificadas 200 localidades e 400 bairros. Actualmente, 135 sedes de postos administrativos já têm acesso à electricidade, 94 através da rede nacional (EDM) e 41 por sistemas isolados geridos pela FUNAE.

Entretanto, o vandalismo, o roubo de energia e a insegurança continuam a comprometer os avanços do programa. A necessidade constante de realocar recursos para reparar infraestruturas danificadas e cobrir perdas acaba por atrasar projectos e limitar a expansão da rede.
De acordo com os dados da Electricidade de Moçambique (EDM), os prejuízos causados por roubo de energia e actos de vandalização continuam a impactar negativamente as finanças da empresa. No primeiro semestre de 2024, por exemplo, o roubo de energia representou um prejuízo de 2.706.053.512,30 meticais (dois mil milhões, setecentos e seis milhões, cinquenta e três mil, quinhentos e doze meticais e trinta centavos).
Já no segundo semestre de 2024, as perdas foram de 2.630.747.516,78 meticais (dois mil milhões, seiscentos e trinta milhões, setecentos e quarenta e sete mil, quinhentos e dezasseis meticais e setenta e oito centavos). No primeiro semestre de 2025, o valor subiu para 3.543.059.513,73 meticais (três mil milhões, quinhentos e quarenta e três milhões, cinquenta e nove mil, quinhentos e treze meticais e setenta e três centavos).
Em relação à vandalização, os prejuízos foram de 11.827.105,00 meticais (onze milhões, oitocentos e vinte e sete mil, cento metical) no primeiro semestre de 2024, e de 16.572.895,00 meticais (dezasseis milhões, quinhentos e setenta e dois mil, oitocentos e noventa e cinco meticais) no segundo semestre do mesmo ano.

Segundo a EDM, apenas com os valores perdidos por vandalização, seria possível eletrificar 171.559 famílias em diferentes regiões do país.
VANDALIZAÇÃO PREJUDICA A ECONOMIA
O analista económico Clésio Foia destaca o duplo impacto que o vandalismo e o roubo exercem sobre a economia moçambicana. Alerta, por isso, que num curto prazo, esses actos reduzem a eficiência operacional e afectam o fluxo de energia disponível nas cidades. A médio prazo, comprometem os investimentos e travam o progresso da electrificação rural, agravando o fosso energético entre regiões urbanas e periféricas.
“Cada quilómetro de cabo de média tensão vandalizado pode custar entre 50 a 80 mil meticais para reposição. De acordo com dados do Programa Energia para Todos, o país gasta anualmente entre 150 e 200 milhões de meticais na reposição de infra-estruturas vandalizadas, valor suficiente para electrificar dezenas de novas comunidades rurais.”
Foia alerta ainda que o vandalismo contribui significativamente para as chamadas perdas não técnicas, estimadas em cerca de 20% da energia distribuída. Esse fenómeno, afirma, “encarece o custo unitário da electricidade e reduz a rentabilidade do sector. Quando um transformador urbano de 250 kVA é destruído, o custo de reposição pode ultrapassar 1,5 milhão de meticais.”
Em termos de planeamento, os impactos do vandalismo e roubo de infraestruturas equivalem, segundo estimativas, à suspensão da electrificação de três a quatro localidades rurais de pequeno porte.

A insegurança urbana e a instabilidade social como o terrorismo em Cabo Delgado, partes de Niassa e Nampula representam entraves significativos ao progresso da electrificação no país. Esses fenómenos têm provocado vandalização de infraestruturas e paralisação de obras e descarga não autorizada de materiais.
O analista Clésio Foia destaca que a insegurança acarreta múltiplos custos adicionais com segurança privada e vigilância tecnológica; atrasos em obras; aumento do prémio de risco associado a contratos de fornecimento e seguros.
Ciclicamente, o país é afectado por fenómenos naturais severos, que provocam danos consideráveis às infraestruturas energéticas. No contexto dos ciclones Chido e Dikilidedi, registaram-se prejuízos estimados em 31,89 milhões de dólares norte-americanos, afectando redes de transmissão, linhas de média e baixa tensão, bem como postes de distribuição, segundo dados da EDM.
Os actos de vandalismo ocorridos em várias províncias também causaram danos avultados, avaliados em cerca de 106,31 milhões de dólares, comprometendo prazos e atrasando a execução de projectos de electrificação, sobretudo em zonas rurais.
O DESEJO DE TER ELECTRICIDADE
A falta de estradas continua também a ser um dos maiores entraves para a expansão da rede eléctrica em zonas remotas. Sem vias de acesso, a instalação e manutenção de infraestruturas tornam-se extremamente dispendiosas e morosas.
Ernesto Aube, secretário de bairro em Marrupa (Niassa), descreve o cenário local:
“Há problemas de estrada, e é difícil fazer ligações de energia. A via de acesso é o problema central. As pessoas vivem com dificuldades de comunicação. Quem tem possibilidades recorre aos painéis solares para sobreviver. É como viver no fim de Moçambique.” revelou
Lúcia Fernando, residente de Maúa, Niassa, é também uma das pessoas que sente na pele o sofrimento de não ter acesso à electricidade.
“Usamos velas. Já tentamos pedir energia, dizem que vão colocar em breve. Gostaria de ter energia para acender as luzes, carregar o telefone… Para carregar, temos de ir até à casa de alguém com painel solar.”
Esse cenário é reforçado por Joaquim Daice, adjunto do líder comunitário em Maúa, que também espera um dia acender a luz da sua vida com a chegada da energia.

“No mês passado pedimos à senhora administradora e ela disse que ia resolver. Aqui nem tomamos coisas geladas, porque não temos energia. Estamos a tomar tudo quente. Nem antena temos – é preciso subir num monte para apanhar rede. Muitos produtos compramos na vila de Marrupa, porque aqui ninguém abre banca sem luz. Para sair daqui às 5h, só se chega lá às 14h. Se tivéssemos energia, teríamos até hospital e antena de rede.”
Marcelino Celestino, pai de três filhos em Nacapa, descreve os desafios diários.
“Quando chove, é difícil subir para procurar rede. Já pedimos energia, dizem que estão a arranjar a estrada primeiro. Usamos painel solar, mas quem não tem tem de amarrar a bateria e pagar 10 meticais para carregar noutro sítio. Sem energia estamos mal. As crianças só estudam de dia, à noite nada. A escola secundária de Nacapa nem tem energia.”
Verónica Afucene, residente em Bambela (Jangamo), conta o seu dia-a-dia:
“É difícil viver sem energia. Temos de ir até Cumbana para tomar algo gelado. Carregamos o telefone no painel solar do vizinho, e só nos dias de sol. É por isso que muitos de nós pensam em procurar um espaço em Cumbana.”
Um outro residente do povoado de Fambaquasse, também em Jangamo, acrescenta:
“Muitos estão a sair daqui porque são anos sem energia. A estrada também não terminou e estragou-se. Estamos a ficar poucos. Muitos já estão a construir casas em Cumbana, Inharrime e Lindela.”
No povoado de Nhancoja, um residente comenta sobre o projecto solar da FUNAE: “Queremos energia da EDM, essa dá para aguentar. A de painel é muito cara”, desabafou.
EDM TRANSFORMA VIDAS
Apesar dos desafios persistentes, os esforços da EDM no âmbito do projecto Energia para Todos começam a gerar impacto positivo nas comunidades. Em Ngolhoza, por exemplo, os moradores celebram a chegada da electricidade.
Anita Lang partilhou com entusiasmo: “Não tínhamos energia aqui, mas agora já temos. Podemos assistir televisão e fazer os nossos pequenos negócios. Muitos já estão a chegar aqui e a construir as suas casas.”
Julieta Tembe destacou as mudanças no quotidiano: “Com energia, podemos conservar quase tudo. Mesmo se sobrar comida, já não é problema — podemos guardar para o dia seguinte.”
Segundo dados da EDM, os avanços no processo de electrificação permitiram a realização de cerca de 409.330 novas ligações, sinal de progresso gradual e de esperança renovada em muitas comunidades anteriormente excluídas do acesso à rede eléctrica nacional.

No âmbito do programa “Energia para Todos”, apoiado pelo Banco Mundial, a Electricidade de Moçambique informa que os investimentos previstos totalizam centenas de milhões de dólares norte-americanos a médio prazo, com o objectivo de alcançar a electrificação universal até 2030.
Os principais parceiros da EDM neste esforço são o Banco Mundial, Noruega, Suécia e a União Europeia, com acções estruturadas em duas fases: 2020 a 2023 e 2024 a 2027.
Moçambique alcançou, no final de 2022, uma capacidade total instalada de 2.799 MW, distribuída da seguinte forma:
Fonte de Energia | Potência (MW) | Percentagem do Cabaz;
Hidroeléctrica | 2.189 – 78% |Gás -442 corresponde a (16%)
Óleo Combustível Pesado (HFO) 108 – 4% | Solar -60 corresponde a 2% .
As projecções para 2030, segundo o Plano Quinquenal do Governo, apontam para um crescimento da capacidade instalada total para 6.320 MW, quase o triplo da actual.
O Fundo de Energia é responsável pela eletrificação fora da rede nacional, sobretudo em áreas rurais. Até ao momento já conseguiu fornecer acesso à electricidade a 580 escolas, 561 centros de saúde e 260 aldeias. No entanto, enfrenta um grande desafio: a sustentabilidade financeira.
Os programas da FUNAE não são cobertos pelas tarifas da EDM, obrigando a instituição a depender fortemente de doações e investimentos externos para garantir continuidade e expansão.
Alcançar a meta de acesso universal até 2030 exige mais do que investimentos financeiros. É preciso garantir segurança, infraestruturas de acesso, educação energética nas comunidades e sustentabilidade dos modelos aplicados, especialmente nas zonas fora da rede.
Enquanto a luz não chega a todos, milhares de moçambicanos continuam a viver às escuras, não apenas sem electricidade, mas também à margem do desenvolvimento.
